No início do século XIX, quando o engenheiro Thomas Young criou o conceito de resiliência como propriedade física de certos materiais que resistem a tensões e depois recobram seu estado original, certamente esse precursor não poderia imaginar o impacto e a dimensão que a ideia ganharia no mundo corporativo dois séculos depois.
Introduzido na literatura gerencial por Daryl Conner no seu tão atual “Gerenciando na velocidade da mudança”, de 1974, o conceito só chegou com força ao Brasil em meados da década de 1990. A partir de 2004, passou a ser aplicado para além de indivíduos, abrangendo também as corporações.
A questão que se coloca é que não devemos perder de vista que tanto os indivíduos quanto as organizações não são comparáveis com objetos materiais, que podem ser medidos e qualificados pela capacidade de suportar pressão. Não considerar a enorme diferença seria uma utilização superficial e simplista do conceito.
Traçando a evolução da resiliência como uma competência de liderança e prática de negócios, percebemos que em um primeiro estágio o termo foi utilizado para nominar aquele indivíduo que aguentava pressão, de preferência sem reclamar — sem filtros entre engenharia e pessoas. Em um segundo estágio, a resiliência estava mais alinhada com a capacidade de recuperação que os indivíduos teriam após enfrentar adversidades. Era como se alguém dissesse: “segura a onda, volta ao normal e, se ficar alguma conta por dentro, não demonstra nem conta para ninguém”.
Curioso observar que em ambos os estágios, mesmo com alguma aderência aos fatos, percebe-se uma simplificação, pois em tese um fenômeno físico, material, não deveria ser aplicado diretamente às pessoas sem uma compreensão mais abrangente do elemento humano e, principalmente, sem considerações sobre o impacto nele causado por um mundo cada vez mais complexo.
Já o terceiro e atual estágio de evolução do conceito, que é o da resiliência como capacidade transformacional, está muito alinhado à real necessidade de adaptação de indivíduos, e também de empresas, ao ambiente que se transforma a cada dia, intensa e freneticamente. Daí o conceito ser tão contemporâneo e, ao mesmo tempo, desafiador — como são estes tempos.
Nesse contexto, a resiliência como capacidade transformadora passa por inteligência emocional, habilidades de negociação, otimismo e conexão genuína com as pessoas. Mas, acima de tudo, a resiliência precisa estar embasada em valores e propósito. Essa é a verdadeira resiliência para lidar com as dificuldades da vida e dos negócios, e suportar, superar, melhorar e evoluir. Ter resiliência, então, passa a ser uma atitude de vida e não apenas o desenvolvimento de uma competência. É a força do propósito que pode dar significado a uma jornada transformadora que fará com que as relações, as empresas e o mundo se tornem melhores, evoluam — não importa os desafios que apareçam pelo caminho.
Havendo indivíduos e líderes mais resilientes nessa nova fronteira da transformação, mais resilientes também serão as empresas, com capacidade de evoluírem e se tornarem sustentáveis, potencializando a capacidade de transformação da nossa sociedade.
Idealmente, as empresas e suas culturas são baseadas em valores, moldados e forjados a partir da liderança. Seria correto, entretanto, afirmar que quanto mais fortes os valores de uma empresa, mais forte seria sua cultura? E uma cultura organizacional forte e sólida traz mais dificuldade ou mais facilidade para a empresa ser resiliente e se transformar?
Parece que temos um grande desafio para empresas e líderes. Tendo em conta que o fortalecimento da cultura organizacional está na agenda de grande parte dos CEOs que se importam com a competitividade e a perenidade dos empreendimentos que lideram, como conciliar, por um lado, a agenda que trabalha para fortalecer uma cultura e, por outro, a capacidade de transformar seus líderes e seus negócios neste mundo que demanda cada vez mais mudança e flexibilidade?
Surge um paradoxo que requer profunda reflexão dos líderes e, por que não dizer, exigirá deles muita resiliência para encontrarem novas abordagens. Autores como Jim Collins pregam a receita de que uma cultura forte é determinante para rentabilidade superior, sucesso presente e construção de um futuro perene para uma empresa. Entretanto, uma cultura forte também pode determinar, em algum momento do intrincado jogo do mercado, falta de resiliência e de capacidade adaptativa, o que pode ser fatal para as ambições de uma dada organização.
Em outras palavras, a história empresarial recente está repleta de exemplos a evidenciar que, quanto mais forte for a cultura da empresa, menos aberta, flexível e resiliente ela será para se moldar a uma mudança estruturante de cenário, como uma crise econômica aguda, uma disrupção tecnológica que viabiliza um novo modelo de negócios ou mesmo o movimento de consolidação de um setor.
Casos de fusão e aquisição ilustram esse paradoxo de forma particularmente interessante, pois muitas vezes essas transações destroem valor para acionistas. E invariavelmente os fracassos estão relacionados com o desafio de uma cultura corporativa arraigada e a falta de resiliência das empresas envolvidas. Isso vale para compradores e vendedores, pois o insucesso pode estar presente em qualquer lado da mesa.
As empresas de cultura forte que compram concorrentes, quase sempre, deixam valor na mesa pela falta de abertura para olhar o que há de bom do outro lado, e se transformarem. Prevalece o psiquismo do elemento dominante que se confunde em sua fruição narcísica (“Eu sou o tal, se eles fossem realmente bons, não estariam sob meu jugo. ”) e deixa muito valor, talento e dinheiro na mesa. Por outro lado, quando a cultura mais forte está na outra ponta, ou seja, na empresa que foi comprada, aparece o verso da moeda: toda a paixão, orgulho e comprometimento das pessoas com aquela cultura empresarial torna-se um estado de luto corporativo, que cega os indivíduos para a possibilidade do novo, de novos valores. A falta de resiliência e de desapego àquela cultura faz os líderes, muitas vezes, trabalharem contra o processo, somando mais um triste episódio ao vasto portfólio de projetos de change management levados ao fracasso.
Uma cultura corporativa forte e perene deve ser sustentada por valores e por um propósito. Mas a crença nesses valores não pode e nem deve fazer uma organização e seus líderes perderem a capacidade de mudar e melhorar sempre. E esta talvez seja a atitude e a competência mais valorizada no mundo dos negócios e na vida moderna: a capacidade de se transformar, de evoluir. “Mas pode me chamar também de resiliência”.
Pesquisa e Edição – Jackson Baia
Fonte: https://www.lovemondays.com.br